terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

QUEM AMA DESCONFIA.


Carolline tinha tudo o que um namoro recente poderia oferecer. Carinho beirando o exagero, atenção incondicional como assistência 24 horas, a qualquer hora e lugar, mesmo longe bastava um telefonema.
Tinha afeto e se sentia totalmente protegida nos braços de seu recente amor.
Tão protegida que se esquecia do mundo e as pessoas em sua volta tornavam-se imperceptíveis quando estavam juntos. O som que ouvia era somente o sussurro no ouvido dizendo o quanto era amada.
-Eu te amo.
-Não, eu te amo mais. Disputavam o casal. Essa era a única divergência entre eles.
Os pelos do corpo de Carolline ganhavam vida ao menor sinal de calor do corpo de seu amado.
Venâncio por sua vez tatuaria na testa se pudesse, que estava apaixonado, enfim apaixonado. Não que precisasse, pois qualquer um que já tivesse sentido uma fração qualquer de amor notaria por seu sorriso constante, sua vaidade aflorada, disposição exacerbada e senso de humor inesgotável que ele, Venâncio, encontrara aquele tal do amor.
O rapaz tinha aquela sensação de ansiedade que durava o dia todo, no início confundiu o frio na barriga com fome e ganhou dois quilos nas primeiras semanas de relacionamento, mas logo depois percebeu que o que sentia eram as borboletas esvoaçantes que deram cria em seu estômago e agora era primavera.
O futebol no fim de semana com os amigos de infância já não era tão divertido, exímio atacante que era, acostumado a fazer gols e criar comemorações diferentes com seu companheiro de ataque, nem comemorava mais e a pelada do sábado perdia os dribles e firulas do atacante.
Venâncio queria mesmo era estar com Carolline, todo tempo, o tempo todo.
-Deixe de ser fominha Venâncio, parece que nunca viu mulher. Guarda um pouco de perna para a pelada com a rapaziada. Cobrava seu amigo Garcia.
Sem dar ouvidos, Venâncio era só Carolline e vice versa.
O garoto sempre fora o dono da mesa do bar, todos paravam para ouvir suas histórias, teorias e segredos de conquistas. Também era politizado e aguentava um porre como nenhum outro. A mesa perdera seu dono, o bar seu melhor e maior freguês e seu fígado agradeceu.
Mas se o leitor que perde seu tempo com essa criatura contadora de causos conhecer um mínimo de história de amor sabe que, assim como toda vida termina em morte, todo amor, por maior que seja, terá sempre um defeito incorrigível que se tornará insuportável e isso vai consumir aos poucos tudo o que tem de bom no amor, tal qual erva daninha.
-Amor tão grande assim tende a virar obsessão. Alertava D. Dulce avó do galã apaixonado.
Então, Carolline que era só felicidade guardava dentro de si a ganância de sentimento. Todas as qualidades de seu amado iam se tornando cada vez mais simples e corriqueira. Acostuma-se com o que é bom e queres cada vez mais. Carolline era mulher das mais belas que se possa imaginar, pele que imitava a neve, lábios que lembravam morangos inclusive no sabor e um corpo que deixava toda a existência mais pecaminosa e como toda mulher, precisava se sentir desejada, mais desejada que o ar pelos pulmões.
Sempre que se afastava mesmo que por algumas horas de seu par já imaginava coisas horríveis e bolava planos mirabolantes em sua cabeça sobre o que o proprietário de seu coração estaria fazendo quando longe de seus olhos.
-Você me trai Venâncio Silva, nada me tira da cabeça que você me trai. Acusava a garota.
Venâncio por sua vez não cansava de dizer que os dois olhos que Deus lhe dera só enxergava a beleza estonteante daquela que o fazia feliz.
-Furo meus dois olhos se isso fizer com que acredite em mim minha flor de laranjeira, só você me basta. Prometia em vão o garoto dono de olhos castanhos.
Nada que ele fizesse acalentava o coração de Carol. Por vezes seguira seu amado no caminho da venda onde trabalhava, chegara a pedir que uma amiga fosse até lá com a desculpa de comprar frutas e desse bola para o namorado afim de testar sua fidelidade. Mas Venâncio educadamente cortara as asas da amiga-auditora dizendo ter namorada e que a amava mais que tudo.
Claro que não fora o bastante.
-Aquele cachorro deve ter percebido o plano. Insistia a ciumenta.
Venâncio já se sentia sufocado e insultado pela desconfiança. Deixara algumas amizades femininas de lado para evitar acusações infundadas, sem sucesso.
-Quem tanto desconfia é porque tá devendo. Profetizava D. Dulce.
Mas o amor do neto de D. Dulce era grande demais para alimentar qualquer dúvida, porém, a avó nunca se enganava, pouco dizia, mas quando abria a boca era tiro certeiro.
Venâncio achava-se um idiota por desconfiar de sua namorada, achando que só o fato de pensar que era possível já era uma traição.
-Carol estava certa, eu sou uma ameba mesmo de desconfiar de uma santa. Punia-se o coitado.
E contra todas as suas forças o garoto decidiu aparecer de surpresa em frente à escola de idiomas onde Carolline estudava inglês. Na frente da escola havia um pequeno boteco onde Venâncio jogava dominó algum tempo atrás, encostara no balcão para saudar Seu Botelho, o dono e pedir o de sempre. Campari e um ovo colorido para acompanhar.
Donde estava era possível ver a saída do prédio escolar sem ser visto pelos estudantes devido a baixa iluminação da garagem que fora improvisado o Bar do Botelho e ficou aguardando enquanto falavam de futilidades e a zaga da Portuguesa para o Brasileirão. Contou ao amigo sobre o afeto incondicional pela garota de pele clara, o ciúme dela e o alerta de sua avó.
Botelho que ouvira milhares de histórias parecidas devido aos anos de balconista mantinha-se calado e com uma das sobrancelhas levantada enquanto o garoto desabafava. Ao término do testemunho, serviu mais uma dose para Venâncio e também uma para ele próprio. Já imaginava o que estaria por vir, então decidiu falar:
-Olha campeão, eu vim lá do interior desde muito cedo. Já me ajuntei cum treis donas até hoje e agora tô só que nem quando cheguei aqui. E se tem uma lição que aprendi cum tudo isso é num fazê pergunta que eu num quero escutá. Entendeu?
Venâncio entendera, mas já estava decidido, ficaria ali até ver quem estava certo, ele ou D. Dulce.
Enquanto aguardava, a dupla vê estacionar em frente o bar um daqueles carros luxuosos, importado com certeza, vidros escuros e blindados. Carro de empresário.
-Esse aí tem até banheiro. Exagerou o barman.

O carro estaciona, recolhem-se os espelhos retrovisores, abrem-se as portas e saem de dentro do automóvel um casal.
O motorista, homem por volta de seus quarenta anos, camisa aberta no colarinho, abotoaduras nos punhos e celular nos tímpanos. Alheio a tudo que acontecia a sua volta. A garota que saíra do carro tinha a pele clara e um rosto estupidamente lindo, com óculos escuros para proteger os olhos e um vestido que parecia tão caro quanto o carro, era uma madame sem tirar nem por.
-Esse é o dono da escola aí da frente e mais o quarteirão inteiro. Noticiou Botelho ao amigo. - Só assim prum rabo de saia com essa idade andar pra cima e pra baixo cúm homão feito desse.
-Essazinha aí tá sempre com ele? Perguntou o garoto e teve a resposta que não queria ouvir.
-Todo santo dia. Como unha a carne.
Botelho ainda não sabia, mas a garota luxuosa, coberta de joias e encantadoramente bela já estivera nos braços de Venâncio um dia antes dizendo que o amava e fazendo da vida dele um inferno de tanto ciúmes. A madame era Carolline, coberta de luxo, mas ainda Carolline.
O coração do garoto da venda mantinha-se batendo em um ritmo impressionante dentro do peito que era de se surpreender que não pulara fora da camisa. Não se sabe até hoje como Venâncio teve autocontrole suficiente para pedir que Botelho servisse mais uma dose de Campari, que fora o pretexto para que o dono lhe desse às costas e ter tempo de pegar a espingarda guardada atrás do balcão. Todos que frequentavam o boteco sabiam da existência da arma, que servia para evitar quebra-quebras e brigas daqueles que bebiam além da conta, além de assaltos é claro.
Com a arma de grosso calibre as costas Venâncio tomou a dose num só gole, limpou a boca com as costas da mão e saiu em disparada para fora do bar.
-Puta que pariu! Ouvira o dono da arma dizer ao fundo.
O empresário que falava ao telefone portátil assustou-se com o estrondo e ao se virar para ver a origem da explosão avistou um jovem com os braços cobertos de tatuagens e camisa xadrez com os olhos marejados e uma espingarda ainda fumegante nas mãos. Sua mais recente conquista, uma garota linda que conhecera há algumas semanas, deitada no chão perto do carro, seu vestido novo todo ensanguentado e pedaços de tripas e estômago espalhados por toda a calçada. Toda aquela cena o fez empalidecer e enjoar a ponto de querer vomitar, mas o medo era tanto que a única coisa que passou pela cabeça foi levantar os braços para o alto.
-Leve o carro mas não me machuque. Choramingou.
Venâncio caminhou como se não estivesse ouvido o empresário, ajoelhou-se rente ao corpo do grande amor de sua vida, com a mão na nuca de Carolline trouxe aquele rosto lindo próximo ao seu e chorou.
-Vê como eu te amo? Vê como não te traio? Ó meu amor...


Autor: Bento Qasual

3 comentários:

Mayra Borges disse...

Nossa que texto forte. O final trouxe algo inesperado. Surpreendente. =D

http://www.contosflordelis.blogspot.com

Luciana Santa Rita disse...

Bento,

Só posso dizer: Incrível. Não conheço esse amor que leva a matar, mas como toda ciumenta, peço a Deus: afasta de mim os amores de Venâncio. Quero ficar viva, amando, desconfiando, mas viva. risos.

Beijos.

Lu

Marina Carla disse...

Nossa! Texto muito bem construído.. mas não quero um amor desses para mim, não! rsrsrs..
Estou muito bem feliz com o meu.